A violência nas escolas tem sido uma preocupação crescente em todo o mundo. No Brasil, não é diferente. Diversos episódios de ataques a escolas com crianças e adolescentes têm chamado a atenção da sociedade e das autoridades públicas. Diante desses acontecimentos, o debate sobre a importância da revista pessoal nas instituições de ensino vêm ganhando espaço entre o público geral, mas ainda há dúvidas sobre a legalidade da adoção do procedimento.

Nos últimos anos, aconteceram diversos casos de ataques a escolas brasileiras envolvendo crianças e adolescentes. Um dos mais marcantes ocorreu em 2011, na cidade de Realengo, Rio de Janeiro, quando o ex-aluno da escola municipal Tasso da Silveira, Wellington Menezes de Oliveira, entrou na escola armado e matou 12 estudantes e deixou outros 27 feridos antes de cometer suicídio. Outro caso que chamou a atenção aconteceu em 2019, quando dois ex-alunos da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, São Paulo, entraram na escola e mataram oito pessoas, entre elas alunos e funcionários, além de deixarem outras 11 feridas.

Já em 2023, em apenas um mês, o Brasil vivenciou, pelo menos, três episódios de notória repercussão social. O primeiro deles ocorreu no dia 27 de março, na cidade de São Paulo (SP), onde um aluno da rede estadual de ensino, de apenas 13 anos, frequentando o 8º ano do ensino fundamental, matou uma professora a facadas e feriu mais três educadoras e um aluno.

No dia seguinte, um aluno tentou entrar armado e atacar a unidade de ensino de Santo André, no ABC Paulista. E, dias depois, em Águas Claras (DF), um aluno, também de 13 anos, que estava no 8º ano do ensino fundamental de uma escola particular, encaminhou nas redes sociais uma mensagem ameaçando estudantes do 6º, 7º e 8º ano, a qual dizia: “apenas orem e rezem ao seu Deus. Aproveite enquanto pode, amanhã será o grande dia”.

Em resposta a esse tipo de ocorrência, o deputado federal Fernando Marangoni apresentou um projeto de lei (PL 1528/2023) para incluir no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal nº 8.069/1990) o artigo 70-C, que permitiria a inspeção das mochilas dos estudantes de ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas. Segundo o projeto, as entidades poderiam realizar essa inspeção para garantir a segurança dos seus alunos.

Marangoni defende que essa fiscalização seria uma medida preventiva para evitar situações de risco nas escolas e garantir a segurança de todos. No entanto, a proposta gerou polêmica e críticas de algumas entidades e grupos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, que argumentam que a medida poderia violar a privacidade e constranger os estudantes. Até o momento, o projeto ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados e deve passar por análise de comissões antes de ser votado pelo plenário.

Enquanto alguns defendem a revista pessoal como uma medida de segurança viável e necessária para evitar a entrada de armas, drogas e outros objetos proibidos nas escolas, outros argumentam que essa prática violaria os direitos dos alunos e configuraria uma espécie de abuso de poder por parte das instituições de ensino, gerando ainda discussões sobre a ilegalidade e/ou abusividade de tal revista, na medida em que desrespeita os direitos básicos dos cidadãos, no caso, das crianças e dos adolescentes, mesmo que se esteja tratando da segurança pública e do bem-estar coletivo.

Segundo, Luciana Paiva, coordenadora do núcleo educacional do escritório Nelson Wilians Advogados, das filiais Ceará e Maranhão, atualmente, não há previsão legal autorizando a revista de crianças e adolescentes nos estabelecimentos de ensino, uma vez que supostamente contraria as disposições específicas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e proíbem qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão para com as crianças e adolescentes, além de garantirem a eles a liberdade, o respeito, a dignidade e a honra, devendo toda a sociedade colocá-los “a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Ou seja, resguardam os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, nos termos dos artigos 5º, 15 a 18 e 53, inciso II, todos da Legislação Federal.

 

“É inegável que a revista pessoal pode acarretar constrangimento ao indivíduo, principalmente quando se trata de uma criança ou adolescente no ambiente escolar, onde a quase totalidade dos alunos não possui qualquer histórico infracional e deveria ser um local seguro e acolhedor, sem quaisquer exposições não consentidas”, afirma Luciana. Nesse sentido, a “autorização” para a revista pessoal nas escolas pode caracterizar o crime tipificado no artigo 232, do ECA, segundo o qual é proibido “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, a vexame ou a constrangimento”.

Além disso, nos termos do Código de Processo Penal Brasileiro (artigo 244, do CPP), a revista pessoal de qualquer cidadão adulto somente pode ser feita diante de fundadas suspeitas de ocultação de arma proibida, o que acaba caracterizando supostamente ilegal e arbitrária a “autorização” dessa prática coletiva e indiscriminada em todos os alunos de uma escola.

“Diante desse cenário, o mais viável seria uma revista pessoal somente no caso de um aluno suspeito, mas sem expô-lo a nenhuma situação vexatória ou constrangedora no ambiente escolar, e a necessária investigação policial, em caráter preventivo, quando houver indícios de alguma ilegalidade por parte do aluno. Não se pode esquecer que a escola deve ser um exemplo de ambiente livre e democrático, sem a adoção de qualquer medida de repressão e violação a nenhum direito legalmente assegurado à criança e ao adolescente”, reforça Luciana.

Dessa forma, é importante que as escolas tenham medidas de segurança efetivas para proteger seus alunos e funcionários, mas que essas práticas sejam realizadas seguindo os âmbitos jurídicos estabelecidos, ou seja, respeitando o bem-estar e os direitos dos alunos e garantindo a segurança dos estabelecimentos, sem violar os direitos dos estudantes e sem gerar abusos de poder por parte das instituições de ensino.

Sobre a Nelson Wilians Advogados

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